A velha (cabisbaixa e profundamente abalada):
- No máximo, com a medicação que prescreverei, umas duas ou três semanas. Mas vamos começar com os remédios ainda hoje para tornar tudo mais suportável... Vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance...O velho (fitando por uma fresta do consultório frio e estéril, uma velha árvore sem folhas no estacionamento):
- Uma vida inteira regrada, controlada por todos os lados. Sempre fiz o que me diziam ser o certo e o melhor para mim. Sempre me comportei bem: nunca fumei, sempre me alimentei frugalmente, bebia com toda parcimônia e praticava os mais variados esportes. Agora agonizarei nas minhas últimas semanas de vida os frutos de todos os meus cuidados de uma vida inteira. A minha grande recompensa é o mesmo sofrimento daqueles que sempre foram contra todas as regras para uma boa vida que sempre tão entusiasmadamente defendi e persegui. A soberana morte é inexorável, e, parece-me, não folga com o bom senso e a justiça dos homens. E o bom e justo Deus? Acho que está envolto em seus santos mistérios, em suas verdades e vontades insondáveis adormece esquecido o milagre da minha cura. É em mim, enfim, e sem remorsos, que deposito a última partícula de esperança que me restou. É em mim, com toda felicidade, que esperarei dignamente a última das verdades desse mundo, aquela que fará com que todas as minhas dúvidas e incertezas não mais tenham nenhum significado aparente, aquela que nada responderá, mas que tudo cessará: a morte.
Sabe, nunca tive tempo nem interesse de perscrutar a misteriosa morte dos homens. Hoje, neste consultório frio e insípido recebo a notícia que ninguém deseja ouvir: que trilho os últimos momentos da minha jornada. Para o bem e para o mal seguirei o meu destino, a minha história de vida não termina com desespero inútil nem tão pouco com ilusões perdidas, mas com a esperança de ter compreendido o quão dignamente vivi os meus dias; bons e maus dias. Minha vida não termina nem com um grito selvagem nem com uma oração ensaiada e oca, minha breve história termina com o silêncio daqueles que compreendem o que fazem, e principalmente, o que fizeram.
Não tenho idéia para onde vou. Não creio noutras vidas: uma só já me foi o bastante para fazer o que fiz! Não fui uma pessoa má, seja qual for o juízo moral a julgar os meus feitos, mas acredito que acertei bem mais do que errei. Que, em momentos cruciais de minha vida, tomei as rédeas do meu destino, contra tudo e contra todos, e que assumi todas as conseqüências das minhas escolhas. Verdadeiramente acreditava nas regras que seguia embora às vezes me visse obrigado a abandoná-las. Acreditava em ações que incorriam o bem ou o mal para mim e para os outros. Nunca fui finalista em minhas atitudes, sempre acreditei por demais em princípios. Nunca vi uma árvore dá bons frutos sem uma boa raiz!
Errei várias vezes comigo mesmo, com a minha família e meus amigos. Ontem via de um jeito situações que hoje vejo de outro. Coisas da vida, coisas do viver, coisas do conviver. O importante é que assumi o preço dos meus tropeços: perdoei e fui perdoado. O importante é que, humildemente, aprendi com os meus erros a ser mais homem, a ser mais paciente e generoso com todos, e comigo também.
Muito tenho a dizer, mas isso basta no momento. Tenho que aproveitar as horas que me restam para viver a minha vida. Perto da hora angustiante da minha partida percebo que, apesar de tudo, viver é uma dádiva. Que apesar de toda improbabilidade, a vida persiste nas várias modalidades da existência do outro, e de mim mesmo, ainda, porque não?
Isso é a prova máxima de que temos que viver aproveitando o máximo. Como se não houvesse o amanhã...
ResponderExcluirSem ferir os nossa alma, nem a de outros. Apenas saboreando o que a vida tem de melhor, da melhor...!
Te amo!
Beijos, Li!
É por isso que estou ao seu lado...
ResponderExcluir