Abyssus abyssum invocat

Talvez o ponto máximo dessa criação seja justamente o entendimento que para uma vida plena basta apenas aceitar que uma vida já é o suficiente.

Abyssus abyssum invocat Abyssus abyssum invocat

Profissão de fé

O peso do crucificado é a medida do sofrimento por todos os seus pecados. Sentia o mundo se distanciar a cada conta rezada pelos seus. Pesava ele cerca de trinta talentos: o peso de Judas.

Profissão de fé Profissão de fé

Três ceguinhas

Escuridão: escuro do escuro do escuro. Preto no preto no preto da etrinidade das turvasnegras seispupilas ocas pareadas para sempre. A pessoa é para aquilo que nasce.

Três ceguinhas Três ceguinhas

ένδοξο θάνατο

Como gados aguardando o momento inclemente do abate estancamos no tempo, talvez esta seja a hora das nossas vidas, o ápice de nossos destinos mortais...

ένδοξο θάνατο ένδοξο θάνατο

Glamour

Da perdição da menina-moça ao claustro vazio da puta-velha, apenas a aceitação de um destino dominus.

Glamour Glamour

16 de julho de 2008

Diante da morte



O velho (como que revelasse em voz alta sua mais profunda divagação):

- Então é isso? Nada mais o que fazer: tudo o que tenho é o pouco que me restou!

A velha 
(cabisbaixa e profundamente abalada):

- Meu Deus?!? Quanto tempo mais, doutor? Quanto...tempo?

O doutor (de olhar lânguido sobre os exames em suas mãos):

- No máximo, com a medicação que prescreverei, umas duas ou três semanas. Mas vamos começar com os remédios ainda hoje para tornar tudo mais suportável... Vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance...
O velho (fitando por uma fresta do consultório frio e estéril, uma velha árvore sem folhas no estacionamento):


- Uma vida inteira regrada, controlada por todos os lados. Sempre fiz o que me diziam ser o certo e o melhor para mim. Sempre me comportei bem: nunca fumei, sempre me alimentei frugalmente, bebia com toda parcimônia e praticava os mais variados esportes. Agora agonizarei nas minhas últimas semanas de vida os frutos de todos os meus cuidados de uma vida inteira. A minha grande recompensa é o mesmo sofrimento daqueles que sempre foram contra todas as regras para uma boa vida que sempre tão entusiasmadamente defendi e persegui. A soberana morte é inexorável, e, parece-me, não folga com o bom senso e a justiça dos homens. E o bom e justo Deus? Acho que está envolto em seus santos mistérios, em suas verdades e vontades insondáveis adormece esquecido o milagre da minha cura. É em mim, enfim, e sem remorsos, que deposito a última partícula de esperança que me restou. É em mim, com toda felicidade, que esperarei dignamente a última das verdades desse mundo, aquela que fará com que todas as minhas dúvidas e incertezas não mais tenham nenhum significado aparente, aquela que nada responderá, mas que tudo cessará: a morte.

Sabe, nunca tive tempo nem interesse de perscrutar a misteriosa morte dos homens. Hoje, neste consultório frio e insípido recebo a notícia que ninguém deseja ouvir: que trilho os últimos momentos da minha jornada. Para o bem e para o mal seguirei o meu destino, a minha história de vida não termina com desespero inútil nem tão pouco com ilusões perdidas, mas com a esperança de ter compreendido o quão dignamente vivi os meus dias; bons e maus dias. Minha vida não termina nem com um grito selvagem nem com uma oração ensaiada e oca, minha breve história termina com o silêncio daqueles que compreendem o que fazem, e principalmente, o que fizeram.

Não tenho idéia para onde vou. Não creio noutras vidas: uma só já me foi o bastante para fazer o que fiz! Não fui uma pessoa má, seja qual for o juízo moral a julgar os meus feitos, mas acredito que acertei bem mais do que errei. Que, em momentos cruciais de minha vida, tomei as rédeas do meu destino, contra tudo e contra todos, e que assumi todas as conseqüências das minhas escolhas. Verdadeiramente acreditava nas regras que seguia embora às vezes me visse obrigado a abandoná-las. Acreditava em ações que incorriam o bem ou o mal para mim e para os outros. Nunca fui finalista em minhas atitudes, sempre acreditei por demais em princípios. Nunca vi uma árvore dá bons frutos sem uma boa raiz!

Errei várias vezes comigo mesmo, com a minha família e meus amigos. Ontem via de um jeito situações que hoje vejo de outro. Coisas da vida, coisas do viver, coisas do conviver. O importante é que assumi o preço dos meus tropeços: perdoei e fui perdoado. O importante é que, humildemente, aprendi com os meus erros a ser mais homem, a ser mais paciente e generoso com todos, e comigo também.

Muito tenho a dizer, mas isso basta no momento. Tenho que aproveitar as horas que me restam para viver a minha vida. Perto da hora angustiante da minha partida percebo que, apesar de tudo, viver é uma dádiva. Que apesar de toda improbabilidade, a vida persiste nas várias modalidades da existência do outro, e de mim mesmo, ainda, porque não?


* Texto de Roberto W.

2 comentários:

  1. Isso é a prova máxima de que temos que viver aproveitando o máximo. Como se não houvesse o amanhã...
    Sem ferir os nossa alma, nem a de outros. Apenas saboreando o que a vida tem de melhor, da melhor...!

    Te amo!
    Beijos, Li!

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